Sou um poeta sem classe
sem o olhar altivo das semáforas
nem o sorriso seguro do futuro
As minha palavras estão sujas
têm as marcas das crianças vadias
e das prostitutas perdidas
Tenho este olhar mendigo e assassino
que não consigo esconder
Em mim reflectem-se todos os impossíveis
não existem estradas com rumos
nem finais felizes
Sou um poeta sem classe
de bolsos vazios e peito carente
Sou o homem e a sombra
o pescador de desertos
o herói sem nome
o sonho sem horizonte
E este descontentamento que me faz escrever
Sou um poeta sem classe
cidadão sem passaporte
abutre de suas próprias entranhas
um morto ressuscitado
respirando a angústia da humanidade
Sou esse poeta sem medo
de enterrar os dedos no sofrimento
de olhar o céu e o inferno
e queimar o corpo nas labaredas
dos desejos insaciáveis
Sou um poeta sem classe
profano da paz e do equilíbrio
imperfeito como o deus que não encontrei
e a mulher que não soube amar
Sou um poeta sem ser
com voz de vento e tempestade
gelado no tempo
onde as palavras se imortalizam...
Manuel Neves